respublica

terça-feira, junho 29, 2004




TOLKIEN E HARRY POTTER A Gabriela recordou, com apreço, um post antigo do "Respublica", escrito no dia 30 de Junho de 2003, sobre a obra de J.R.R. Tolkien.

E agora, ao reler o que escrevi há quase um ano, com a inocência própria dos primeiros passos na blogosfera, fiquei com vontade o voltar o publicar. Aqui vai:

"Tolkien e Harry Potter

Nunca li os livros da série Harry Potter (à excepção de uma ou duas espreitadelas no stand de uma livraria). Não me atraem. Admito que talvez seja preconceito meu contra aquele género de literatura... mas simplesmente tenho a impressão de que se trata de histórias para crianças.

Há alguns dias, numa conversa de café, falávamos de "O Senhor dos Anéis" e "Harry Potter". Há quem estabeleça comparações entre as duas obras, como se ambas pertencessem ao domínio do fantástico e das histórias infanto-juvenis. Sinceramente, não creio que assim seja. Embora não tenha lido os livros de J. K Rowling, li todas as obras de J.R.R. Tolkien (à excepção das "Aventuras de Tom Bombadil", salvo erro). Tolkien era um erudito, um professor de linguística com conhecimentos muito superiores aos da escritora britânica. A triologia do "Senhor dos Anéis", a que se juntam "O Silmarillion" e o "O Hobbit" são prova disso; Tolkien criou todo um universo, com várias civilizalações distintas, cada uma com a sua cultura, história, idioma e escrita próprias. A própria prosa do autor modifica-se consoante o assunto tratado; as crónicas dos reis elfos, anões e dunedans são bem diferentes, em termos de estilo, da narração das aventuras do Portador do Anel.

De todos os livros de Tolkien, o que mais gostei foi "O Silmarillion". É onde a imaginação de Tolkien mais se revela, com contos belíssimos. Há quem o compare ao Antigo Testamento da Bíblia; os assuntos tratados (a existência de um Ser Superior responsável pela criação do Universo, a queda do Anjo Mau - Morgoth, etc), lembram-nos o "Génesis". Além disso, o estilo de escrita das crónicas dos elfos trazem-nos à memória os Livros dos Reis e as Crónicas do Antigo Testamento. Estas analogias entre a obra de Tolkien e as escrituras bíblicas não devem ser alheias ao facto de o autor ser um católico fervoroso, para quem o próprio sexo conjugal era impuro ("no sex please... we're hobbits!").

Há quem aponte como falha em Tolkien o facto de existir uma separação clara entre Bem e Mal, num mundo a preto e branco. No entanto, não penso que assim seja; na obra de Tolkien existem seres "perfeitos" que se opõe a seres completamente "imperfeitos", mas a generalidade das personagens são seres de carne e osso, fragéis e sujeitos às tentações do mundo. Mesmo Bilbo e Frodo, os heróis de "O Hobbit" e "O Senhor dos Anéis", estão sujeitos ao poder maléfico do Anel do Poder, capaz de corromper até os melhor intencionados.

No entanto, creio que o mérito da obra de Tolkien não se fica pela prodigiosa imaginação do autor e pela tradicional luta entre o Bem e o Mal - que perpassa toda a obra de Tolkien desde os primeiros capítulos de "O Silmarillion" até às últimas linhas de "O Regresso do Rei". Existe toda uma reflexão sobre a natureza humana (e considero imbuídos de "natureza humana" seres como elfos e hobbits); ambição, sede de poder, traição, ódio e ganância, mas também amor, amizade, generosidade e fraternidade.

Creio que o "Senhor dos Anéis" é uma obra para todas as idades."

segunda-feira, junho 28, 2004

NA TERRA DA ALEGRIA...



Saiu mais um número da revista-blog semanal "Terra da Alegria", desta vez com dois artigos da minha autoria: um sobre os Jovens e a Igreja, e outro sobre a Primeira Cruzada.

O Zé Maria Brito reflecte sobre a oração e a ideologia, o Marco Oliveira escreve sobre a fé e o sentido da História, o Marvi conta uma riquíssima experiência pessoal, e o Lutz apresenta uma "tese caseira" sobre o conhecimento do Divino. A não perder.

domingo, junho 27, 2004

ELEIÇÕES ANTECIPADAS? É uma questão complicada. Creio que o ideal - quer para o país, quer para o PSD - seria a substituição de Barroso por um(a) ministro(a) do actual executivo. Desse modo, as linhas mestras deste governo seriam mantidas, e os esforços e os sacrifícios dos últimos anos teriam realmente valido a pena. E, claro, o governo teria toda a legitimidade democrática para continuar em funções, uma vez que continuaria a representar a escolha da maioria dos portugueses. A equipa seria ainda a de Durão, e o executivo teria toda a legitimidade para governar.

Mas constituir um novo governo, completamente remodelado, com novas políticas e projectos, parece-me completamente anti-democrático. Além disso, Santana é um populista, sem perfil de estadista. Quererá vencer as próximas eleições a todo o custo, ainda que, muito provavelmente, tenha de recorrer à velha receita do aumento da despesa pública e do desperdício em função da manutenção de clientelas. Ou seja, os sacríficios dos últimos anos terão sido em vão. Além de que o PSD e Pedro Santana Lopes nunca se livrarão da fama de usurpadores.

Barroso vai para Bruxelas. E bem, em meu entender. É uma oportunidade que ele e Portugal não podem desperdiçar. Mas pobre país o nosso, que fica entregue a Santana Lopes, Paulo Portas e, do outro lado, Ferro Rodrigues, João Soares e Francisco Louçã. Valha-nos Deus!




EURO 2004 Nos últimos meses, vi com grande cepticismo a actuação de Luís Felipe Scolari à frente da Selecção Nacional. Experiências malucas, birras com certos atletas e uma série de derrotas, apenas compensadas com algumas (poucas) vitórias face a "potências" como o Luxemburgo, contribuiram para uma certa desconfiança da minha parte em relação às capacidades de Scolari. Amigos brasileiros, contudo, recordaram-me que o mesmo sucedeu ao Brasil na fase de apuramento para o Mundial, com o escrete canarinho a ficar em último lugar entre os países sul americanos. E que depois, contra todas as espectativas, foi o que se viu...

Com Portugal parece ter sucedido o mesmo; tal como a maioria dos portugueses - salvo talvez os mais crédulos e fiéis adeptos - não estava à espera que a Selecção conseguir chegar às meias finais. Mas face às actuais circunstâncias, vejo como estava enganado e retiro tudo o que disse a respeito das capacidades do senhor Luís Felipe Scolari. Claro que ele tem à sua disposição um grupo de excelentes atletas, o que certamente lhe facilita o trabalho. Mas a liderança é fundamental, e ele sabe liderar.

Além disso, gosto da maneira algo naif como Scolari veste as cores nacionais. Frases como "Um pórtuguêis váli máis qui cuárenta miúl inglêsis", e imagens como a de Scolari a chorar como um bebé, com as duas bandeiras nas mãos, certamente ficarão para a história. E, claro, este país precisava desta onda de alegria; por vezes, uma boa cachimbada de ópio vem mesmo a calhar.

sábado, junho 26, 2004

UM ANO DE RESPUBLICA Este blog celebra hoje um ano de existência. Com mais ou menos regularidade, com estas ou aquelas imperfeições, tenho-me esforçado por fazer um blog do agrado dos leitores, e onde, ao mesmo tempo, possa abordar temas de que realmente gosto.

Não posso deixar de agradecer as amáveis palavras de todos os amigos (e em especial as dos Meninos de Ouro e da Gabriela), que se lembraram de assinalar esta efeméride. Muito obrigado a todos. Espero que me ajudem a continuar com este blog.


Agradecimentos - Lista ACTUALIZADA (se me esquecer de alguém, p.f. avisem!:): Os Meninos de Ouro, Cravo e Canela, A Bordo, O Olhar do Girino, Jack's Blog, Ilha Perdida, Pau para toda a obra, Cobra Cuspideira, Blog do Alex, e a todos os leitores que têm enviado emails. Obrigado.

quarta-feira, junho 23, 2004

Phoenix
You are Feng-huang!

Mythological Background: The phoenix is the highest
and most revered force in the skies. It's
associated with power and prosperity, because
it is the king of all birds. Mars brings about
intense love, passion, and even aggression. It
is given the best traits of all beasts - its
different parts come from different animals.
The five mystical colours in its plume are
black, white, red, green and yellow. The
Phoenix is a very auspicious aspect in Chinese
mythological culture; and its symbol is used
only with royalty. Japanese Name: Suzaku


Which Chinese Mythological Being Are You?
brought to you by Quizilla




FESTA É FESTA! Eu e o meu grupo de amigos temos um ditado: "Festa é festa, e vice-versa!" E hoje é noite de festa...

"O Campeonato Europeu de Futebol deverá marcar indelevelmente a noitada de São João em Braga. A cidade preparou-se para a festança com as armas de sempre - rusgas, ranchos folclóricos, bombos, gaiteiros e os números que sempre fizeram parte do programa - mas não esqueceu que o tempo é de bola no país e no Municipal de Braga, onde ao fim da tarde Holanda e Letónia disputam uma vaga nos quartos de final do Euro. Para festejar a vitória, ou esquecer a derrota, muitos dos adeptos que já ontem começaram a chegar deverão integrar-se na festa, dando-lhe um cunho internacional até hoje nunca visto, o que abriu portas uma programa conjunto de, pode dizer-se, Euro São João.(...)" (Público)

GRAZIE! Agradeço à Gabriela, ao José, ao Ricardo Manuel e a todos os outros amigos que me têm incentivado e felicitado pela minha ida para Itália. Farei os possíveis para não os desapontar, com fotografias, crónicas, reportagens e todo o tipo de impressões que venha a colher nesta minha jornada italiana.




ADIOS! O Carlos enviou-me este fantástico email:

«Li, esta manhã, na imprensa espanhola a reacção mais corrosiva à derrota de
ontem: “Le doy la razón al presidente, hace meses Zapatero dijo que todos los
españoles que estuviesen fuera volverían a España antes del 30 de junio.” ...absolutamente genial !!!!!»

terça-feira, junho 22, 2004




VENTOS DA HISTÓRIA Com algum atraso, respondo às questões colocadas pelo meu amigo Ricardo Manuel, no sistema de comentários deste blog. Escreveu ele o seguinte:

"Duas perguntas, Filipe: 1. Estarias disposto a voluntarizar-te para participar num Dia D? A minha resposta é simples: no tempo da Normandia eu diria sim, hoje no Iraque diria não. Pois um soldado que combate sem apoio total do seu país na retaguarda, está a lutar por uma causa perdida. Não era o caso dos bravos de 6 de Junho de 1944. Mas é o caso do Iraque hoje. 2. "Vencemos, com estudo!" disse Salazar após um conflito devastador em que não morreram Portugueses - o que vale mais? A glória de libertar a Europa ou as vidas dos nossos avós, que na altura tinham a nossa idade?"

Caro amigo, estas não são perguntas fáceis. Não sei se me oferecia para participar num Dia D. Alistava-me para combater o nazismo, mas não sei se me voluntariava para participar num massacre como o desembarque de Omaha, por exemplo. Aliás, duvido muito que, naquele dia 6 de Junho de 1944, fosse grande o número de voluntários entre as forças de desembarque. Mas se tal dever me fosse imposto, com certeza que o cumpriria.

Em relação à segunda questão, creio que Salazar agiu da forma mais correcta e de acordo com os interesses do país. Colocar-se contra a Alemanha seria suicídio; Franco aproveitaria para nos invadir imediatamente. Por outro lado, alinhar com a Alemanha seria também uma catástrofe; os Aliados conquistar-nos-iam as colónias e certamente seríamos invadidos pelas potências em luta (como sucedeu com a Itália, por exemplo). Talvez o desembarque não se desse na Normandia, mas nas ocidentais praias lusitanas... imagina a destruição e caos que provocaria.

Salazar podia ser um ditador sem escrúpulos, mas não era propriamente burro. Portugal não tinha meios para entrar na guerra. Além disso, o resultado desta não dependeria em nada da nossa participação. Tal como na Primeira Grande Guerra, éramos irrelevantes, com a diferença de que, no conflito de 39/45, as nossas colónias não corriam riscos imediatos de anexação.

Todavia, e como cidadão, se vivesse naquela época - e tivesse meios e conhecimentos para isso - talvez optasse por me alistar nas forças Aliadas.

No que diz respeito ao Iraque, e recordando uma frase de Reagan que recentemente citaste no teu blog, "A maior imoralidade que um Estado pode cometer é enviar os seus jovens combater e morrer numa guerra que esse mesmo Estado não está disposto a vencer." Certamente que assim é. Mas estou convencido que não temos uma percepção correcta da situação no Iraque; existe muito exagero por parte dos media - em geral, hostis aos EUA - e de certos opinion makers que, sem conhecer a realidade do terreno, debitam constantemente opiniões apocalípticas que em nada contribuem para um melhor esclarecimento da opinião pública. Só o futuro dirá se conseguiremos construir um Iraque livre, pacífico e democrático. Eu sei de que lado estou: do que acredita que é possível construir um estado de direito no Iraque, e que o Islão não é incompatível com a Liberdade.




CHURCHILL Estou neste momento a ler "Winston Churchill - an intimate portrait", de Violet Bonham Carter, filha do ex-primeiro ministro britânico Lord Asquith, e amiga de toda a vida do velho Winnie.

Escrita por alguém que com ele privou durante tantos anos, é uma obra útil e interessante para conhecer a personalidade de Churchill. Bonham Carter descreve-o como um homem excêntrico, intelectualmente brilhante, corajoso e frontal, mas também egocêntrico e irascível. Um homem com uma postura "inocente" perante as mulheres, de uma lealdade e dedicação extremas aos amigos e à família. Todas estas qualidades e defeitos, aliadas à sua vigorosa independência e dinamismo, fizeram de Winston um homem amado e odiado ao mesmo tempo; um homem-fénix, que brilha e ascende tão rapidamente quanto cai de seguida; mas que renasce, cada vez mais forte, depois de cada provação. Com apenas 26 anos, dava já nas vistas no meio político britânico. Parecia haver algo na sua personalidade que fazia as pessoas amarem-no ou odiarem-no instintivamente.

O relato termina no desastre dos Dardanelos (1916), mas deixa antever um pouco das décadas seguintes. Imerso nos seus pensamentos e firmes convicções, Winston tem dificuldade em lidar com os aparelhos partidários e os indivíduos medíocres que os compõem e, não raras vezes, dirigem. Por tudo isso - e por uma série de erros políticos - perde o assento parlamentar e é votado a um ostracismo que muito o faz sofrer. Exila-se na sua casa de campo, entregue à escrita e à pintura. Não era, de facto, um grande político. Era um grande estadista, mas não um carreirista que ascendia através da lisonja ou da sistemática tentativa de agradar aos outros. Prova disso são as suas muitas derrotas eleitorais, desde a primeira eleição em que se candidatou (1900), às eleições gerais de 1945. Tinha as suas convicções - amava, sobretudo, a liberdade - e não abdicava delas.

Mas quando o país e o mundo precisaram de alguém firme e decidido, Winston Churchill ascendeu ao primeiro plano da política britânica e mundial, revelando todo o seu génio e determinação.

Como bem disse o Comprometido Espectador - cuja falta se fará sentir na blogosfera - a respeito de um post do André Belo, "(...) A história, enquanto disciplina científica (??), pode perfeitamente reabilitar Chamberlain, Halifax e todos aqueles favoráveis a um entendimento com Hitler. Afinal, tal posição é perfeitissimamente compreensível. Com a Europa, da França à Polónia, entregue à Alemanha nazi e à Itália fascista, e a Grã-Bretanha isolada na sua ilha, incapaz de qualquer acção ofensiva, como não compreender o desejo de negociação? Já a acção de Churchill pende mais para o lado do incompreensível. Um conselheiro sensato teria provavelmente dito a Churchill para não tentar a loucura de continuar em guerra com a Alemanha em circunstâncias tão desesperadas. Só que Churchill era, de facto, um pouco louco. E foi da sua insensatez, loucura e pura coragem (em larga medida incompreensíveis, à luz, por exemplo, de uma avaliação histórica assente na razoabilidade) que nasceu um dos mais notáveis momentos da história da humanidade.

A literatura dedicada a desmistificar Churchill nota o seu carácter inconstante, algumas duvidosas simpatias, os sistemáticos fracassos políticos e militares – em muito maior número do que os êxitos – e mil e um aspectos menos recomendáveis da sua vida. Tivesse Churchill morrido em 1938 e essa vida provavelmente resumir-se-ia numa palavra: fracasso. Semi-louco, alcoólico, tantas vezes patético, imperialista, com um curriculum militar carregado de desastres, Churchill seria talvez recordado assim mesmo com estas palavras que acabei de usar. Mas, não sendo Churchill, visivelmente, um santo, há na sua vida certos ingredientes das vidas dos santos. Tal como os santos se redimem de um passado pecaminoso comportando-se de forma benfazeja a partir de certa altura, o mesmo parece acontecer com Churchill e a sua obstinação anti-hitleriana de 1940.

Como a história é cruel, esta foi uma santidade ajudada pela vitória : o que diriam a opinião pública e os historiadores de hoje se a Grã-Bretanha tivesse sido derrotada na sequência da insensata decisão de Churchill? Desde logo, o mundo seria certamente diferente daquele em que vivemos. Mas mesmo admitindo que fosse igual, muito provavelmente diriam que essa derrota era previsível e que Churchill não teria passado de uma criatura disparatada que, a juntar aos fracassos anteriores, em 1940 lançara a Grã-Bretanha na mais insana das aventuras.

Mas é por tudo isto que eu acho que o mito sobrevive. Porque só um louco disparatado e insensato como Winston Churchill seria capaz de uma acção equivalente. Nenhuma criatura razoável e ponderada (como Chamberlain, por exemplo) o faria. No mais belo texto sobre Churchill que me foi dado ler, “Mr. Churchill”, de Isaiah Berlin (aqui), diz-se exactamente isto. Poucos políticos seriam capazes de dizerem com absoluta sinceridade que aquele preciso momento de 1940 era “a time when it was equally good to live or die”. Porque aquilo que resiste a todo o revisionismo é uma ideia, a qual, ao juntar-se com os restantes dados biográficos, dá origem a uma vida que se transcende a si mesma. E essa ideia é a ideia de que há momentos em que a rendição é impossível, porque vergonhosa, mesmo se a derrota aparece como mais provável do que a vitória. Momentos em que podemos morrer e sabemo-lo, mas antes isso do que vivermos manchados por uma vergonha intolerável. E isto, a história “objectiva” não “compreende”. A história “objectiva” certamente que “compreende” muito melhor as razões da rendição – afinal as mais sensatas. E quem ler o texto infestado de verrina de Christopher Hitchens ficará com a estranha sensação de que aquilo que ele diz está tudo certo (e nem sempre está: Hitchens toma como correctos erros revisionistas posteriormente desmentidos), mas rigorosamente errado ao mesmo tempo. Porque falta que Hitchens nos explique aquele momento único, que (goste-se ou não) é o momento fundador do mundo no qual vivemos actualmente. É por tudo isto mesmo que o mito de Churchill sobrevive. Porque a verdade é que só aquele homem carregado daqueles defeitos todos poderia feito a última e salvadora insensatez da sua vida. Salvando-se assim a ele, e com ele, salvando-nos a nós."

VOTO DE PESAR Compreendo a posição do PCP e do BE em relação ao voto de pesar pela morte de Ronald Reagan. Afinal, Reagan deu-lhes cabo do canastro; destruiu a "terra do socialismo", deitou-lhes por terra as ilusões e, indirectamente, cortou-lhes a torneira do financiamento... seria hipocrisia lamentarem a morte de Reagan. Todavia, agirem desta forma talvez tenha sido a melhor homenagem que poderiam ter feito ao ex-presidente.

UMA PEQUENA VITÓRIA A morte do líder da Al-Quaeda na Arábia Saudita foi uma pequena (grande) vitória na luta contra o terrorismo. Afinal, é possível combater o Terror. É possível vencer aquele bando de fanáticos, cuja maior ambição é matar o maior número possível de pessoas. E repito o que já antes disse: não se pode negociar com esse tipo de gente.




ROMA Desde o seu início que, de acordo com uma certa linha editorial, este blog tem evitado referências a aspectos ligados à minha pessoa. Não vejo grande interesse em fazer um blog do tipo diário, porque entendo que a minha vida pessoal não diz respeito aos outros bloggers. Os meus familiares e os meus amigos não têm necessidade de ler este blog para acompanharem a minha vida. Obviamente que esta é uma opinião pessoal e que, de resto, nada tenho contra os blogs do género diário. São gostos.

No entanto, as presentes circunstâncias forçam-me a abrir uma excepção. Se tudo correr como previsto, parto para Itália em meados de Julho, para um estágio de Verão numa rádio de Roma. Assim sendo, e mercê da minha estadia na Cidade Eterna, a linha editorial deste blog sofrerá algumas alterações. Impressões de viagem, pequenas notas e até algumas reportagens serão transcritas neste blog. O Respublica será o meu caderno de viagem, tal como o Roma Antiga, aliás.

Parto para Roma com a fé do peregrino, a curiosidade do historiador (amador) e um entusiasmo que há muito não sentia. É uma nova fase que se inicia, e uma audaciosa aventura que se perfila no horizonte.

OOPS... serei mesmo?

HASH(0x8ab5f08)
narcissistic


Which Personality Disorder Do You Have?
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UMA ÉPOCA DE EXAMES bastante trabalhosa, vários trabalhos para entregar e diversos outros afazeres, têm-me mantido afastado das lides blogosféricas. Será por pouco tempo, contudo; já só faltam dois exames...

sexta-feira, junho 18, 2004

PARABÉNS ao Aviz, o excelente blog do Francisco José Viegas, que comemora um ano de vida.

quarta-feira, junho 09, 2004




PACIFISMO DA TANGA Inseri link para o interessante blog Pau pra toda a obra, onde encontrei um vigoroso texto, que não resisti a transcrever:

"(...) A sério que nunca entendi as manifestações dos "pacifistas"...

Afirmam-se como porta-estandartes do pacifismo a nível inter-galáctico, e depois as manifestações que organizam incluem quase sempre episódios de violência...

São contra "a Guerra", mas não se manifestavam contra a invasão do Afeganistão por parte da mãe-União Soviética...

Nos tempos da Guerra Fria, estavam sempre contra o "militarismo" dos países da NATO, mas quanto ao Pacto de Varsóvia...nem água vem, nem água vai...

São contra as invasões. Muito bem. Então quer dizer que preferiam que Pol Pot, Idi Amin Dada, o Imperador centro-africano Bokassa I, os Talibans (e já agora, Saddam) continuassem no Poder por muitos e bons anos, para continuarem a saga de indescritível felicidade em que os seus povos viviam...

Dizem que Bush é o "terrorista número um". Talvez porque não se importam de usar burka daqui a uns anos (no caso feminino), ou porque não se importam de deixar de ter acesso a bebidas alcoólicas ou àquelas substâncias psicotrópicas que se fumam...

Dizem que morreu muita gente devido à Guerra no Iraque, mas nem abriam a boca perante os assassinatos e torturas ocorridas a mando do bom do Saddam (antes da Guerra, três sindicalistas da CGTP (pode-se dizer, sem risco de erro, que são também três militantes do PCP) até foram visitar o "Parlamento" iraquiano, onde foram recebidos pelo "Presidente" dessa respeitável instituição democrática)...

Derrubaram uma estátua de Bush em Londres, aquando da visita deste ao Reino Unido. Pena que não tenham derrubado a estátua de Saddam no Iraque, nos tempos em que este governava, que era da maneira que nos víamos livres deles (a propósito: os energúmenos que derrubaram a estátua de Bush haviam de ser chicoteados nas plantas dos pés, como fazia o filho de Saddam a tanta gente, só para verem como era bom viver no Iraque de Saddam...)...

Oferecem-se para escudos humanos, mas parece que todos os escudos humanos se acagaçaram, e nenhum fez jus ao nome...

Excitam-se muito com os relatórios da Amnistia Internacional sobre os Estados Unidos e Israel, mas depois até vêm dizer que os relatórios desta mesma entidade sobre Cuba são falsos...

Desejam a morte a Bush, mas nunca se lhes ouviu desejar a morte nem a Fidel, nem a Kim Jong Il, nem a Mugabe...

As manifestações pacifistas eram em tempos financiadas pela União Soviética, um dos países mais imperialistas de que há memória, e depois vêm-se queixar do imperialismo americano...

Alguns deles dizem que os ataques terroristas contra os Estados Unidos são um acto de auto-defesa, mas só os americanos é que não têm direito a se auto-defender, depois do 11 de Setembro: deviam fazer de cordeiros prontos para o sacrifício, sempre dispostos a dar a outra face...

Queriam o desarmamento dos países da NATO, mas quanto ao desarmamento dos países do Pacto de Varsóvia...nem falavam...

Choram pela morte do velhote tetraplégico (que, se tinha 12 filhos, ao menos tinha a sorte de não ser pentaplégico), mas não abriram a boca quando o Ministro do Turismo israelita foi assassinado...

Dizem que Bush é "o novo Hitler", mas ainda não revelaram onde se localizam os campos de concentração onde Bush mete os muçulmanos na câmara de gás...

Por tudo isto, e mais alguma coisa: pacifistas da tanga, uni-vos!(...)"





Faça você também Que
gênio-louco é você?
Uma criação de O Mundo Insano da Abyssinia






UM BOM HOMEM Quis o destino que este blog recebesse dois obituários seguidos. A repentina morte de Sousa Franco – que as lamentáveis vicissitudes desta campanha eleitoral certamente apressaram – privou Portugal de um dos seus melhores políticos. Sousa Franco era um homem sério, honesto e competente. Talvez fosse até demasiadamente boa pessoa, quando comparado com a restante classe política portuguesa. Foi uma grande perda para o nosso país.

segunda-feira, junho 07, 2004




REAGAN Considero Ronald Reagan um grande estadista. Corajoso, não teve receio de fazer o que tinha de ser feito, ainda que isso lhe granjeasse ódios e inimizades um pouco por todo o mundo, em especial por parte da intelectualidade europeia; carismático, sabia comunicar de forma simples e clara, inspirando confiança no cidadão comum; idealista, acreditava piamente na democracia e nas liberdades individuais.

Reagan é o típico exemplo do líder mal compreendido na sua época, mas que com o passar dos anos se torna cada vez mais admirado e respeitado. Porque talvez não fosse um grande teórico, mas tinha princípios em que realmente acreditava. E porque, ao contrário de outros, fez o que tinha de ser feito, independentemente de certos erros que tenha cometido.

Aqui ficam algumas citações do "Grande Comunicador":

"Abortion is advocated only by persons who have themselves been born."

"Politics is not a bad profession. If you succeed there are many rewards, if you disgrace yourself you can always write a book."

"Government's view of the economy could be summed up in a few short phrases: If it moves, tax it. If it keeps moving, regulate it. And if it stops moving, subsidise it."

"Politics is supposed to be the second oldest profession. I have come to realize that it bears a very close resemblance to the first."

"You can tell a lot about a fellow's character by his way of eating jellybeans."

"The nine most terrifying words in the English language are, 'I'm from the government and I'm here to help.'"

"How do you tell a communist? Well, it's someone who reads Marx and Lenin. And how do you tell an anti-Communist? It's someone who understands Marx and Lenin."

"Freedom is never more than one generation away from extinction. We didn't pass it to our children in the bloodstream. It must be fought for, protected, and handed on for them to do the same, or one day we will spend our sunset years telling our children and our children's children what it was once like in the United States where men were free."




O DIA "D" Chamou-me a atenção um artigo do francês André Glucksmann, intitulado "O significado do Dia D", publicado na edição de ontem do "Público". Aqui fica um pequeno excerto:

"(...)Actualmente, debatemos despreocupadamente a "legitmidade internacional". Mas a primeira e única verdadeira legitimidade internacional foi inaugurada nas praias da Normandia. Se as Nações Unidas, apesar da sua paquidérmica organização, não se parecem com a falhada Liga das Nações, é porque os seus fundadores em São Francisco juraram que o Japão e a Alemanha não seriam nem conquistados, nem colonizados, mas simplesmente libertados do fascismo. Assim nasceram os dois princípios que silenciosamente constituíram a Carta das Nações Unidas e conduziram às suas inevitáveis contradições: primeiro, o direito dos povos a serem libertados e, segundo, as restrições sobre o direito do vencedor, que não pode conquistar mas pode introduzir a democracia.

O direito dos povos a serem libertados de despotismos extremistas - o direito ao Dia D - sobrepõe-se ao habitual respeito pelas fronteiras e ao velho princípio da soberania. Em relação à Declaração Universal dos Direitos Humanos, e com o nosso conhecimento do totalitarismo, o direito essencial dos povos à autodeterminação não deve garantir nem implicar o direito dos governantes a escravizarem o seu povo. O desembarque na Normandia justifica por isso as recentes intervenções no Kosovo, no Afeganistão e no Iraque, mesmo sem a autorização do Conselho de Segurança. Por uma razão determinante: a legitimidade original que presidiu à criação da ONU prevalece sobre a autoridade em relação à jurisprudência comum das instituições que a originaram. Além disso, o recente décimo aniversário do genocídio tutsi no Ruanda não deixa que esqueçamos esse terrível fiasco das Nações Unidas. Embora o seu líder, Kofi Annan, defenda, em vão, a reforma radical das suas instituições e da legislação internacional.(...)"


E a respeito da França, e da sua política internacional muito pouco "olimpiana" - para usar uma expressão de Pacheco Pereira - quando se trata de defender os seus interesses, o autor escreveu o seguinte:

"(...) Em contrapartida deixem-me recordar que a França, tão generosa quando se trata de dar lições aos outros, em 40 anos nunca indiciou, julgou ou condenou um único dos seus soldados que cometeram actos de tortura durante a guerra da Argélia. Só em 2000 é que os chamados "eventos" (1954-61) foram oficialmente rotulados de "guerra" pelo Parlamento. Só passados 50 anos de tudo estar terminado, em 1995, é que o Presidente admitiu a responsabilidade do país pelos acontecimentos entre 1940 e 1945. E até à data, dez anos depois dos massacres e, contrastando com a Bélgica, as Nações Unidas e Washington, o nosso país continua a recusar, à direita e à esquerda, pedir desculpas aos tutsis, que foram vítimas de um genocídio. É isto que nos eleva a nós, franceses, nos eleva moralmente, tornando-nos muito superiores àqueles broncos, aos "yankees", angustiados com uma imprensa insolente, um Senado inquiridor e governantes obrigados a abrir os seus "dossiers" e a explicarem-se em tempo real.(...)"

NA TERRA DA ALEGRIA...



quinta-feira, junho 03, 2004

NOVAS LIGAÇÕES Inseri links para a Tasca da Cultura, para o Saudades de Antero, e para o mágico Reino de Blogor, interessante criação do meu amigo Marcos, onde encarno a personagem de Hipófilus, o monge copista da Irmandade de Romulon...




QUOTAS PARA HOMENS? Sou contra as chamadas medidas de discriminação positiva. Acho que são injustas, porque independentemente do sexo, raça ou origem geográfica das pessoas, o mérito individual deveria ser o principal critério a ter em conta. E assim deveria ser na política, no ensino e na administração pública.

Vem isto a propósito da eventual criação de quotas para homens, nas nossas faculdades de medicina, dado o reduzidíssimo número de estudantes do sexo masculino.

Como disse, sou contra a criação de quotas. No entanto, fico espantado com a reacção de algumas pessoas que, indignadas com a criação de quotas para homens, são ao mesmo tempo partidárias da criação de quotas para mulheres e minorias étnicas. Sejamos coerentes: ou há quotas para todos, consoante as situações em que se verificam desigualdades, ou não há para ninguém.

Creio que, neste caso concreto, o problema reside no actual modelo de acesso aos cursos de medicina. Um bom médico não precisa de ter médias de 18 e 19. Para conseguir uma média destas, um aluno tem que ser ou muito inteligente e cumpridor, ou de levar uma vida de quase eremita, dedicando-se apenas ao estudo. Um bom médico tem que possuir, além dos conhecimentos próprios da profissão, uma boa dose de sensibilidade, tacto social e inteligência emocional. Contudo, não quero com isto dizer que os actuais estudantes de medicina sejam uns zombies anti-sociais; aliás, tenho vários amigos e amigas em Medicina, e que não encaixam nesse perfil.

Concordo, por isso, com o bastonário da Ordem dos Médicos, Germano de Sousa, que disse o seguinte: "Defendo que a nota de candidatura aos cursos de Medicina deve ser de 14 valores e que às notas deve juntar-se outro tipo de provas capazes de evitar que um aluno com notas excelentes e uma má formação geral possa ser um mau médico".

quarta-feira, junho 02, 2004

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You are Scooter.
You are a loyal, hardworking person, better known
as a doormat.

SPECIAL TALENTS:
Going for stuff.
LEAST FAVORITE MOVIE:
"Go For Broke!"

QUOTE:
"15 seconds to showtime."

LAST BOOK READ:
"300 New Ways to Get Your Uncle to Get You a
Better Job "

NEVER LEAVES HOME WITHOUT:
Coffee, clipboard, and Very Special Guest Stars.


What Muppet are you?
brought to you by Quizilla




"DIEU LE VOLT!(I)" Como é sabido - e embora seja difícil distinguir a lenda da realidade - foi a 27 de Novembro do ano 1095, durante os trabalhos do Concílio de Clermont, que o Papa Urbano II exortou os cavaleiros cristãos a reconquistar a Terra Santa aos muçulmanos. Com a sua apaixonada exortação, o Pontífice Romano deu origem à Primeira Cruzada (1096/1099). Embora não se conservem exemplares do discurso original, chegaram até nós várias reproduções das palavras de Urbano, escritas alguns anos após o Concílio.

Uma das mais conhecidas é a que consta da crónica de Fulcher de Chartres, que reza o seguinte: "(...) Embora, oh filhos de Deus, vos sabeis, prometeram mais firmemente que nunca manter a paz entre vocês e manter os decretos da Igreja, ainda existe um importante trabalho que devem realizar. Ungidos pela correcção divina, devem aplicar a força de vossa rectidão a um assunto que interessa a Deus. Posto que vossos irmãos que vivem no Oriente, requerem urgentemente as vossas ajudas, e vós deveis esmerar para prestar-lhes a assistência que a eles vem sendo prometida faz tanto tempo. Aí que, como sabeis todos, os Turcos e os Árabes os têm atacado e estão conquistando vastos territórios da terra de România [Império Bizantino], tanto no oeste como na costa do Mediterrâneo e em Helesponto, que é chamado o braço de São Jorge. Estão ocupando cada vez mais e mais os territórios cristãos, e já venceram sete batalhas. Estão matando e capturando muitos, e destruindo as igrejas e devastando o império. Se vós, impuramente, permitires que isso continue acontecendo, os fieis de Deus seguiram sendo atacados, cada vez mais com dureza. Em vista disso, eu, e não bastante, Deus, os designa como herdeiros de Cristo para anunciar em todas as partes e para convencer as pessoas de todas as gamas, os infantes e cavaleiros, para socorrer prontamente aqueles cristãos e destruir a essa raça vil que ocupa as terras de nossos irmãos. Digo isto para os presentes, mas também se aplica a aqueles ausentes.

Mais ainda, Cristo mesmo os ordena. Todos aqueles que morrerem pelo caminho, seja por mar ou por terra, em batalha contra os pagãos, serão absolvidos de todos seus pecados. Isso lhe é garantido por meio do poder com que Deus me investiu. Oh terrível desgraça se uma raça tão cruel e baixa, que adora demónios, conquistar a um povo que possui a fé de Deus omnipotente e tem sido glorificado em nome de Cristo! Com quantas reprovações nos oprimiria o Senhor se não ajudarmos a aqueles, que como nós, professam a fé de Cristo! Façamos que aqueles que estão promovendo a guerra entre fieis marchem agora a combater contra os infiéis e conclua em vitória uma guerra que deveria ter se iniciado há muito tempo. Que aqueles que por muito tempo tem sido foragidos, que agora sejam cavaleiros. Que aqueles que estão pelejando com seus irmãos e parentes, que agora lutem de maneira apropriada contra os bárbaros. Que aqueles que estão servindo de mercenários por pequena quantia, ganhem agora a recompensa eterna. Que aqueles que hoje se malograram em corpo tanto como em alma, se dispunham a lutar por uma honra em dobro. Vejam! Neste lado estarão os que lamentam e os pobres, e neste outro, os ricos; neste lado, os inimigos do Senhor, e em outro, seus amigos. Que aqueles que decidam ir não adiem a viajem senão que produzam em suas terras e reúnam dinheiro para os gastos; e que, uma vez concluído o inverno e chegada à primavera, se ponham em marcha com Deus como guia."
A isto, o povo cristão respondeu entusiasticamente: "Deus le volt! Deus le volt!" ("Deus o quer! Deus o quer!")

Não pretendo aqui discorrer sobre as verdadeiras motivações que estiveram na origem da Primeira Cruzada, ou os posteriores desenvolvimentos militares da expedição. Procuro sim recordar o impacto que a Cruzada teve junto dos Judeus, dos Bizantinos e dos Muçulmanos, recorrendo para tal a fontes contemporâneas dos acontecimentos. Estou neste momento a ler "The First Crusade - The Chronicle of Fulcher of Chartres and Other Source Materials", de Edward Peters (segunda edição, University o Pennsylvania Press, 1998), obra que contém diversos textos judeus, árabes e bizantinos sobre a questão. Além de outros da autoria de cruzados participantes na expedição, assim como de vários clérigos francos seus contemporâneos.

Começo pelos Judeus. As primeiras vítimas da fúria sanguinária dos cruzados foram as comunidades judaicas da Europa Central. Ainda antes dos barões e cavaleiros com os respectivos séquitos, se porem a caminho do Oriente, já um grande exército - se é que assim se poderia chamar - se tinha reunido sob o comando de um célebre místico, que ficou para a História como Pedro, O Eremita. Pedro reuniu uma multidão heterógenea de dezenas de milhares de camponeses, de pequenos nobres e todo o tipo de pessoas sem pertença ou nação, que aspiravam a atingir e conquistar Jerusálem, a "terra do leite e do mel". Movidos pelo ardor do fanatismo, alguns destes cruzados decidiram dar ali mesmo início à sua divina tarefa, massacrando milhares de Judeus alemães.

O "Gezerot Tatnu" ("Livro dos Massacres"), de um judeu anónimo de Mainz, narra as atrocidades cometidas por alguns milhares destes cruzados. Entre outros tristes acontecimentos narrados na referida obra, sucedeu o seguinte, na cidade alemã de Worms: os chefes dos cruzados acirraram o ódio da multidão contra os Judeus, mostrando-lhe um cadáver que teria sido, alegadamente, cozido pelos Judeus de Words. Com tal acto, quereriam os judeus contaminar os "gentios" da cidade, espalhando nela a água da cozedura. O autor do "Gezerot Tatnu", naturalmente, considera infundada esta acusação, atribuindo aos Cruzados o desenterramento do cadáver e todo o embuste, no intuito de incitar o ódio contra os Judeus.

Foi então que, narra o "Gezerot Tatnu", na tradução que consta da obra supra-citada, "When the crusaders and burghers heard this [sobre a alegada tentativa de contaminação], they cried out and gathered - all who bore and unsheated [uma espada], from great to small - saying: «Behold, the time has come to avenge Him who was crucified, whom they ancestors slew. Now let not a remnant or a residue escape, even "an infant or a suckling' in the cradle». They then came and struck those who remained in their houses - comely young men and comely loving young women along with elders. All of them stretched forth their necks. Even manumitted serving men and serving women where killed (...)". O "Gezerot Tatnu" conta ainda que uma grande multidão de Judeus se tinha reunido na casa do Bispo local, que lhes dera asilo e alguma protecção, na medida do possível. Mas nem a propriedade da igreja foi respeitada por aqueles que se diziam cristãos: a casa foi cercada e centenas de judeus massacrados. Nas suas derradeiras horas, enquanto alguns tentavam ainda resistir ao ataque, os pais e as mães degolaram os respectivos filhos, para que não caíssem nas mãos dos cruzados. O livro narra ainda outras atrocidades deste calibre.

Os massacres, assim como as conversões forçadas dos poucos sobreviventes, não passaram despercebidos na Cristandade. Mas as reacções divergiram. Se Alberto de Aachen foi extremamente severo na forma como condenou o líder dos ditos cruzados, o Conde Emico, e a própria multidão pelo seu "crime detestável", Ekkehard de Aura, por seu turno, saúda Emico como o "Novo Saúl", um homem que, "apesar dos seus defeitos", "foi chamado por Deus a massacrar a raça execrável dos Judeus". Da mesma forma, se o primeiro condenou as conversões forçadas ("porque o Senhor não quer que ninguém seja obrigado a converter-se"), o segundo dá graças pelo facto de Emico trazer os Judeus para o seio da Igreja.

A respeito desta temática, talvez o Nuno Guerreiro possa acrescentar alguns elementos.

(Continua)